terça-feira, 31 de janeiro de 2012

PREPARATIVOS

Como professor de inglês, sempre sonhei em viajar para algum país de língua inglesa. De fato, algumas vezes isso me parecia uma obrigação. Alguns alunos e diretores de cursos de idioma consideram um professor de inglês que não tenha viajado para o exterior como uma verdadeira aberração.

Na minha lista de prioridades, os Estados Unidos estavam em primeiro lugar. Não porque fosse o meu país dos sonhos, mas pelas viabilidades. Meu falar é completamente baseado na variação americana do inglês. Além disso, tenho vários amigos morando lá, o que ajudaria a baratear meus custos em relação à hospedagem.

No fundo, havia aquela vontade enorme de visitar o berço da língua inglesa - a Inglaterra. Mas meu salário não me deixava sequer sonhar numa possibilidade.

Decidido a viajar, fosse para onde fosse, comecei a poupar uma graninha em 2011. Em julho, desiludido, comecei a torrar tudo.

Eis que, em meados de outubro, acordo com uma mensagem no celular do meu amigo João Paulo: "Vamos para Londres?" Sem pestanejar, mandei uma mensagem de volta: "Tô dentro." Tudo que eu queria era alguém com quem dividir despesas e preocupações. Minha decisão de ir ficou ainda mais forte quando o João falou que poderíamos ficar no apartamento de um amigo dele lá, o Dewi.

Daí em diante, muito nervosismo e corte de gasto. Eu tinha menos de três meses para tirar passaporte, levantar todo o dinheiro necessário e planejar meu roteiro em Londres, a fim de não perder nada.

Nossa primeira decisão de viagem foi não ir direto para Londres. As passagens eram muito caras. Salvaríamos alguns euros se entrássemos na Europa por um outro país e de lá fossemos de trem para Londres. Foi idéia do João ir por Frankfurt. Dessa forma, além de poupar nas passagens, ele ainda teria a oportunidade de rever uma amiga que ele gosta muito, a Jouse. Ela mora em Frankfurt e o convidou para ficar no apartamento dela.

Dia 23 de dezembro, partimos de Fortaleza para Recife através da Gol. Lá, pegaríamos um avião da Condor até Frankfurt. Seriam longas nove horas de viagem.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

FRANKFURT

AEROPORTO DE FRANKFURT (CHEGADA)

Desembarquei em Frankfurt antes do horário previsto. A alfândega deles é super tranquila, sem cara feia ou longas entrevistas. Três perguntinhas em inglês, carimbo de entrada e um "welcome" com sotaque alemão.

Nenhum problema com minha mala. Já a do João apareceu com uma alça quebrada. Pode parecer uma bobagem, já que a alça retrátil e as rodas estavam intactas, mas isso foi um pequeno tormento na subida das escadarias de algumas estações de trem sem escada rolante.

ESTAÇÃO DE METRÔ

Do aeroporto, pegamos um trem para a estação central e, de lá, para a estação Grüneburgweg. No caminho, fui tomado por um sem fim de emoções. As árvores altas, negras, a paisagem bucólica, embora urbana, a arquitetura "casinha de chocolate", os tons impressos na natureza pelo frio.

Os bilhetes de metrô representaram o primeiro choque cultural que tive. Não porque fossem caros (1,60 euros), mas pela dinâmica da cobrança. São comprados numa máquina e portados durante o trajeto. Não há ninguém para checá-los. Ou seja, confia-se na civilidade dos usuários. A multa para quem for pego sem bilhete é de 20 euros, mas a fiscalização é raríssima.

Certa noite, depois de pegar o metrô na direção errada, decidimos voltar sem comprar o bilhete. No vagão, apenas nós e um grupo de jovens barulhentos. De repente, apareceu um funcionário do metrô. Ele vinha em nossa direção e meu nervosismo foi tanto que o João não conteve o riso. Mas ele passou direto. Tinha vindo só pedir ao grupo barulhento que se comportasse. Ou seja, não há fiscalização, mas com certeza há câmeras. Por que não cobraram nossos bilhetes, então? Nem quero saber. O fato é que o "jeitinho brasileiro" quase custou caro, literalmente.

ALMOÇO TÍPICO

A primeira coisa que comi em solo alemão não foi comida alemã. Fomos a um restaurante tailandês e pedi macarrão com camarão, mas era uma comida tão apimentada que quase não toquei no prato. A bebida, uma limonada, também não estava lá essas coisas.

Só no segundo dia, num restaurante tipicamente alemão, pude pedir linguiça e chucrute (Sauerkraut). Mas fiquei mesmo foi com vontade de avançar no prato da nossa anfitriã, a Jouse. Ela tinha pedido camalares (rodelas de lula empanadas). Provei um pouco e fiquei com tanta vontade que, em Londres, mandei ver. Comi tanto que ainda sinto o gosto.

Na noite de Natal, a Jouse serviu Glühwein e caiu como uma luva naquele frio intenso. No outro dia, dando uma volta, paramos para tomar uma caneca bem quente numa praça a caminho do rio Main. Nesse café, há fotos de alemães famosos que já passaram por lá. Não conhecia ninguém, a não ser a Angela Merkel, a primeira ministra.

PAISAGENS URBANAS

Do outro lado do rio Main fica um aglomerado de restaurantes e bares que é bastante movimentado à noite. Na volta de Londres, passamos pelo Hooters para comer um vício meu na viagem - chicken wings. Assim como calamares, procurei comer o máximo possível das asinhas de frango apimentadas, pois sabia que sentiria uma falta desgraçada quando voltasse ao Brasil.

A mobilidade urbana parece não ser um problema em Frankfurt. Não bastassem as ruas serem limpas, ainda são cuidadosamente divididas. O uso das bicicletas é super comum e não significa nenhum desprestígio. Tanto que em toda a cidade há barras para estacionamento. Em Londres não foi diferente. As pessoas vão de bicicleta até para a balada, à noite.

Só uma coisa me incomodou no trânsito europeu. Achei o tempo dado aos pedestres para a travessia muito curto. Em Frankfurt especialmente. Mal dá tempo de chegar na metade da faixa. Em alguns trechos é preciso se apressar.

E não tem a ver com poluição, mas me incomodou também a quantidade de cachorros na rua. Odeio cachorros. De morte! E estar numa loja, olhar para o lado e ser surpreendido por um monstro desses quase da minha altura foi uma prova de que de infarto eu não morro.

Quando estava prestes a viajar, dando aula, comentei com alguns alunos que viajaria com a missão de encontrar algum podre da Alemanha. Não queria crer que tudo fosse realmente limpo. Um aluno até brincou dizendo que mesmo se eu não encontrasse, ia acabar eu mesmo jogando um monte de lixo num canto e fotografando. O fato é que não encontrei nada. Ruas impecáveis.

Para não dizer que não encontrei nada, vi duas pichações. Uma na entrada do prédio onde a Jouse mora, uma palavra, não lembro qual, mas que a Jouse disse que significava "cultura"! A outra é a da foto e não sei o que significa.

Enfim, poluição não há, seja ela de lixo, visual ou sonora. Ao menos não que eu tenha visto. As ruas niveladas ajudam a aumentar a sensação de organização, bem como a ausência dos fios de energia cruzando o céu, uma vez que são subterrâneos. Som nas ruas só mesmo o dos artistas. E artistas mesmo.

CENTRO FINANCEIRO

Sempre que os telejornais apresentavam os indicadores econômicos, lá estava Frankfurt como uma das referências mundiais em bolsa de valores. Tanto que a bolsa de lá tem como símbolos o touro e urso, figuras fortes e amedrontadores.

O prédio da bolsa de valores e os do entorno são repletos de referências à força. Mas não fotografei essa colunas por isso. Chamou a minha atenção o cuidado com a arte, mesmo nos ambientes mais triviais. Isso causa uma diferença enorme no aspecto urbano e tem um impacto positivo, mesmo que muitas vezes inconsciente, na qualidade de vida.

DOM

É engraçado porque, ao mesmo tempo em que se mostram sisudos e tradicionalistas, os alemães tem um lado bem irreverente. Essa loja é uma prova. Há um sem fim de produtos com designs loucos, desde material de decoração a jóias.

SEGURANÇA

Tendo sido assaltado três vezes (duas com arma apontada para a minha cabeça), não foi fácil andar à noite pelas ruas de Frankfurt sem me tremer de medo (e, claro, de frio). O João ria muito. Eu não conseguia relaxar nem para rir de nervoso. Na terceira noite, no entanto, eu já estava me sentindo à vontade, embora o receio continuasse.

Sinceramente, quero crer que a paz que experimentei não tenha sido "sorte" de um turista que passou pouco tempo na cidade. Adoro lugares calmos, sobretudo na hora do lazer e do descanso. À noite, o silêncio era completo. Nem sequer um sonzinho de passos na escada ou vozes na rua.

LARGO DA PREFEITURA

Essa aí é a prefeitura de Frankfurt. Na frente, havia uma árvore de Natal natural enorme, repleta de enfeites. Mas também era o único enfeite de Natal na cidade toda, tirando algumas vitrines de loja.

O espaço logo em frente à prefeitura é de um charme acolhedor. Tem-se a impressão de se ter voltado no tempo.

Descendo pela rua em frente à prefeitura, chega-se ao rio Main. PONTE E RIO MAIN

Quando se pensa em fazer uma viagem à Europa, tem-se como motivo algumas imagens específicas. Uma dessas imagens que eu tinha era a de um rio largo e de margens arborizadas. Daí meu transe ao avistar o Main pela primeira vez. Uma visão que vou levar comigo para o resto da vida, só que não será mais imaginação. Foi (é) real.

Fazendo pesquisas antes da viagem, fiquei em dúvida do porque do nome "Frankfurt" vir seguido de "am Main". Foi o Rui, um colega que ensina alemão, quem me explicou. Esse "am" se refere a algo que está à margem e "Main" é o rio que corta a cidade.

É tradição prender um cadeado na ponte para que se volte ali um dia. Não o fiz. Mas como não sou supersticioso, hei de fazê-lo mesmo sem mandinga.

Da esquerda para a direita: eu (embasbacado), Jouse (nossa anfitriã), Stewart (namorado da Jouse), o João e Daniel (amigo alemão do João).

A Jouse não foi apenas uma anfitriã. Foi uma mãezona. Jamais vou esquecer os cuidados dela com a gente. O Stewart não fica atrás. Me diverti muito jogando video game e xadrez dos Simpsons com ele. Sem falar que comecei a praticar meu inglês ali mesmo, em Frankfurt.

Ficou o sonho de ter um espaço desse perto de casa para caminhadas no fim da tarde ou para simplesmente sentar num banco e ver o tempo e a água passando.

CASA DO GOETHE

No Brasil, os únicos escritores cujas casas tive a oportunidade de conhecer foram José de Alencar e Augusto dos Anjos. No entanto, não foi uma visita ao "lugar" dos escritores propriamente dito, pois muita coisa havia mudado desde a morte deles.

Por isso minha excitação ao conhecer a casa de Goethe. Tudo estava preservado de uma maneira assustadora. Deu para sentir toda a aura que ele com certeza experimentou ao morar ali e ao buscar inspiração para seus livros.

Essa era a prensa usada por ele. Imaginei "Fausto" ou "Os Sofrimentos do Jovem Werther" sendo impressos ali, a ansiedade do escritor para ver seu trabalho materializado, multiplicado.

Nós, posando de ilustres convidados de Goethe para um sarau.

A entrada sombria.

O jardim macabro.

Ao lado da casa foi construído um museu com obras de arte colecionadas pelo Goethe, dentre outras. Essa foi a que mais prendeu minha apreciação. É de Johann Heinrich Füssli, um pintor suíço. As obras de Shakespeare eram uma de suas inspirações. O quadro se intitula O Pesadelo (Der Nachtmahr).

LONDRES

DE FRANKFURT A LONDRES

Esse é o relógio da estação central de Frankfurt. Partimos de lá com destino a Londres no dia 27 de dezembro. Ao todo, foram três mudanças de trem, duas na Alemanha e uma na Bélgica. A primeira foi em Mainz.

A segunda parada foi em Colônia (Köln). Sempre ouvi falar dela por causa de vários amigos que moraram lá devido à universidade. A partir de lá, foi um cenário idílico atrás do outro.

Infelizmente, a maioria dos cenários exuberantes ficavam do lado direito do trem e nós estávamos do esquerdo. Por isso não pude gravar, só apreciar. Com muito medo gravei alguma coisa do lado em que eu estava. É que o povo alemão é todo cheio de reservas. Em Frankfurt, cheguei a levar uma bronca do dono de uma loja por entrar no estabelecimento dele com minha câmera ligada. Mas no vídeo aí em cima dá pra ver um castelo sobre as montanhas. Além dos castelos (vários), as cidades aos pés das montanhas e os rios e lagos injetaram no meu espírito as mais altas inspirações.

Em Bruxelas, na Bélgica, pegamos o tão famoso Eurostar. Tivemos que esperar um pouco, tempo que usamos para comer algo. Fiquei emocionado ao falar em francês pela primeira vez em terra estrangeira e ser compreendido. Tão legal ouvir francês por todo lado. Não fossem os bilhetes já reservados e o fato do amigo do João estar nos esperando em Londres, eu permaneceria em Bruxelas por um dia ou dois com o maior prazer.

Antes de embarcar no Eurostar, passamos pela alfândega britânica. Nossa mãe do céu! A pressão foi tão grande que chegamos ao vagão mudos. Estávamos indignados. Apesar do mal estar, penso que os oficiais apenas cumpriam seu papel. O homem me bombardeou de perguntas, sempre com a cara fechada. Joguei a toalha quando ele me perguntou por que eu tinha vindo por Frankfurt se passaria a maior parte das férias em Londres. Respondi que eu tinha uma amiga em Frankfurt e que, vindo à Europa, decidi passar o Natal com ela, antes de ir a Londres, para casa de um outro amigo. "Você tem muitos amigos ao redor do mundo, né?", ele me perguntou com um sorriso irônico. Nesse momento fiquei com raiva e também fechei a cara. "Sim, tenho", respondi. De repente, o homem abriu um sorriso, carimbou meu passaporte e começou a falar simpaticamente de Londres, que eu devia ir ao interior também, talvez Stonehenge. Até boas vindas o filho da mãe me deu. Conclui que ele devia fazer isso com todos. O objetivo das perguntas minuciosas, da cara fechada e da revista detalhada, quase patética (ele olhou a borda do meu passaporte com uma lupa por cerca de cinco minutos) não passa de uma forma de dar tempo ao tempo para ver se surge alguma contradição.

Logo rumávamos para o sul da França, então atravessamos o Canal da Mancha para, por fim, chegarmos à estação de King's Cross Saint Pancras, em Londres, onde o Dewi nos esperava.

MANOR GARDENS

Nosso quartel general em Londres foi no "borough" de Islington. Bem, Londres tem uma divisão administrativa meio confusa para os padrões latinos. Há os "boroughs", espécies de subprefeituras, que contem "districts", ou bairros. Ficamos especificamente no bairro de Holloway, na rua Manor Gardens.

Todas as noites, antes de deitar, eu olhava para trás, através da vidraça, e via a cidade iluminada, os tetos dos prédios e casas, um cenário tão comum, mas ao mesmo tempo tão novo e excitante. Não dava para ter essa visão a noite toda. Antes de dormir, era preciso baixar as portas automáticas que barravam o vento frio.

Então, mal eu acordava e já apertava o botão para ver se o sol estava lá. Ele costumava se pôr por volta das quatro e meia da tarde e só voltava lá pelas oito da manhã. Na maioria das vezes ele estava lá, sim. Houve apenas dois dias com uma ventania dos infernos. Houve até morte na Escócia. Nesses dias, as nuvens cobriram a cidade e a sensação de frio aumentou enormemente.

TRANSPORTE PÚBLICO

Ficar hospedado em Holloway foi incrível. O bairro ficava perto de um monte de lugar legal. Além do mais, a estação Holloway Road ficava na rota da linha de metrô Picaddilly Circus, simplesmente a que leva à maior parte dos pontos turísticos.

No terceiro dia em Londres eu já tinha aprendido a pegar ônibus ( o famoso "red bus") e metrô (o "undergraound", carinhosamente chamado de "tube" pelos londrinos). Não há a menor dificuldade. Em cada parada de ônibus há um mapa com o trajeto das linhas. De posse de um mapa mais completo, dá para chegar em qualquer lugar tranquilamente. O livro com o mapa de todas as ruas de Londres (London A-Z) custou seis libras e pode ser comprado em qualquer banca de jornal.

Usar o metrô é ainda mais charmoso do que o red bus, seja pelos corredores repletos de cartazes interessantes e músicos talentosos, seja pela fauna urbana. A maioria das pessoas tem sempre nas mãos um jornal ou um livro para ler durante a viagem.

Demorei um pouco a me acostumar a permanecer no lado direito ao subir nas escadas rolantes, a fim de dar passagem aos mais apressados. Só fui aceitar de fato quando também eu comecei a ter pressa em alguns momentos e precisei correr escada acima ou abaixo.

As passagens tem seu preço reduzido quando se faz uso do cartão Oyster. É como um vale-transporte recarregável. Muito prático. Evita ficar contando moeda. Até porque os motoristas odeiam passar troco. Nos ônibus, passa-se na máquina logo na entrada. No metrô, passa-se na entrada e na saída, a fim de liberar a porta. Não sei bem por que isso ocorre, mas quando se usa o Oyster muitas vezes, chega um momento em que a catracas não descontam mais créditos. Aconteceu comigo duas vezes em que saí pela manhã e fiquei rodando pela cidade até de noite.

Houve noites em que peguei taxi. Não por falta de ônibus. Embora o metrô pare à meia-noite, há ônibus noturnos com pontualidade britânica. Mas acho que quando se faz uma viagem dessas é interessante passar pelo maior número de experiências culturais possíveis. No final das contas, não foi tão caro como todos me fizeram crer.

HIGHGATE CEMETERY

Assim que cheguei no apartamento do Dewi, fui logo puxando minha agenda com anotações sobre os lugares que eu queria visitar. Um dos primeiros era o Highgate Cemetery. Para minha surpresa, ele falou que ficava ali perto, tanto que dava para ir a pé. Mas acabei indo de ônibus.

No ônibus, conversei durante todo o percurso com Eve, uma senhora inglesa muito simpática que tinha perdido a mãe logo após o Natal num acidente de carro. Ela estava indo visitar a filha, que tinha tido gêmeos. O hospital ficava perto do Highgate Cemetery e ela fez questão de nos levar até a rua que ia dar no cemitério.

Visitar cemitério pode soar excêntrico e tétrico para os brasileiros. Isso porque a maioria dos cemitérios no Brasil são mal cuidados e possuem arquiteturas inexpressivas. Muito diferente da Europa. Tão logo avistei os portões do Highgate, fiquei muito emocionado com cenário que lembrou de imediato os contos do Poe. O clima também ajudou nessa minha experiência. O frio deixa a paisagem soturna e as lápides góticas, as cruzes celtas e as árvores ganham um fundo inspirador e uma luminosidade sutil.

Lá se encontra o túmulo do Karl Marx. Achei que eu teria dificuldade em encontrá-lo, mas é só seguir pela estrada principal que infalivelmente se vê o busto enorme, expressivo. É o maior túmulo do cemitério. Fiquei surpreso ao saber que o pai do comunismo terminou seus dias na cidade que na época representava o capitalismo mundial. Expulso de Bruxelas, Colônia e Paris em tempos diversos, teve sérios problemas financeiros e ajudado por amigos alemães, dentre eles Engels, viveu de donativos em Londres até o dia de sua morte.

Um presente visual do inverno. A água no cântaro segurado pelo anjo reflete o céu e os galhos caídos das árvores ao redor. A escultura é coberta por musgo, tal qual tudo ao redor, o que dá naturalidade à obra. Arte humana e natural se fundindo em beleza.

É pedir demais ser enterrado aí? Bem, não agora.

A entrada no cemitério custou três libras e você pode permanecer lá pelo tempo que quiser. Quis voltar lá, mas tinha tantos outros lugares para conhecer. Meu intuito em voltar no Highgate era levar alguma coisa para ler e beber (um vinhozinho).

Ao lado do cemitério fica o parque Waterlow. Foi lá que almoçamos, uma vez que o João não quis comer dentro do cemitério por achar desrespeitoso e insalubre. Desrespeitoso não sei. Insalubre, vamos combinar que é, né? Bem, foi no Waterlow que descobri um fato desolador: inglês adora cachorro, prin-ci-pal-men-te em parques. E eu os odeio de morte. Pelo menos as criaturas de lá parecem estar bem acostumadas com os seres humanos e não vem se jogar sobre você. Mesmo assim, para mim foi horrível conviver com tanto cachorro por tudo que era lugar. Até dentro de ônibus e metrô! Em Frankfurt, eu olhava algo numa loja de eletrônicos quando olhei para o lado e lá estava um rapaz checando um computador e o cachorro gigantesco dele me checando com cara de "oba, picanha brasileira". Esse foi o meu maior desapontamento em relação à Europa. E me disseram que eu não tinha visto nada. Que em Paris era o cachorro que levava o dono para passear. Ah, para!

REVEILLON

Na noite do Reveillon deixamos o apartamento com o intuito de dar uma passada na casa do Mark, amigo do Dewi, e de lá ir ver os fogos em algum lugar. Visitar a casa do Mark foi muito divertido, tirando o cachorro dele, um sei lá o que grande e peludo com cara de urso. Conversei muito com uma amiga dele e com uma arquiteta interessantíssima, muito divertida.

O pessoal tentou soltar balões no quintal da casa. Foram várias tentativas até que um decolou. Estava muito frio do lado de fora e a torcida já não era nem tanto pelos balões, mas pelo fim da coisa toda. Se fosse no Brasil, iam todos para a cadeia. Mas lá é frio e eles acreditam que não vai haver incêndio em lugar algum.

Às onze, decidimos partir. Tentamos chegar na praça do Parlamento à tempo de ver os fogos, mas acabamos só ouvindo o barulho deles, além do reflexo por trás dos prédios. Mesmo assim foi muito divertido. Eu estava um pouco alto por causa do champagne, do vinho e da cerveja. Havia muita gente nas ruas e todos felizes, gritando muito. Passamos por um grupo de brasileiros que, para variar, faziam a maior baderna, cantando: "Beber, cair, levantar." Fingi que era inglês nesse momento. Pode parecer fútil, mas eu estava em Londres e ver os fogos para mim era o de menos. Eu queria mais era celebrar muito!

Um grupo de ingleses muito embriagados estava numa fila longa, com as mãos estendidas, no estilo "bate aqui". Pedi o João para me gravar fazendo hi-five coletivo com eles, mas fui muito apressado e o João quase não pega nada. Ri muito da gandaia.

Havia gente do mundo todo por ali. Parecia uma Babel. Fiquei super emocionado de ver pela primeira vez de pertinho o Big Ben, a abadia de Westminster, o Parlamento e o rio Thames. A ponte estava fechada e não pudemos ir para o outro lado do rio, onde ficava o London Eye. Mas eu voltei tantas vezes ali que tenho na memória a imagem de cada lugarzinho.

Em pleno Reveillon, com o mundo todo como testemunha, um rapaz se empolgou e pediu a namorada em casamento. Foi um alvoroço. Vozes em diferentes línguas gritavam "aceita". Gostaria de dizer que ela aceitou. Mas, não.

Há onze anos, alguns ingleses indignados com as ações atrozes da política inglesa e americana (na época, personificados na dupla Tony Blair e Bush) permanecem acampados na praça do Parlamento em protesto. O líder desse movimento foi Brian Haw, pacifista inglês. Ele até já faleceu em 2011, vítima de câncer, mas seus companheiros continuaram a luta. Na minha última semana em Londres, os jornais estampavam fotos da agressão dos policiais contra esse pessoal, a fim de desocupar a praça.

Por conta das Olimpíadas, várias ações governamentais estão sendo tomadas para deixar a cidade pronta para os turistas. Algumas truculentas e a olhos vistos, como essa desocupação. Outras mais encobertas e mascaradas, como o corte de parte da ajuda de custo para a moradia, o que vai levar muitas famílias pobres a migrarem para bairros afastados da vila olímpica e dos seus arredores. Holloway, o bairro onde fiquei, tem em sua maioria habitantes de origem africana e indiana. Apesar de pobres, a ajuda de custo permitia alugar casas não muito boas, haja vista serem antigas e com sistema de aquecimento precário, mas ainda assim legais em comparação com as do subúrbio. Com o corte nas verbas, muitos terão que deixar o bairro cedo ou tarde. É, assim como em Fortaleza, Londres investe nos fogos, mas pouco no povo.

TRAFALGAR SQUARE

Da estação Holloway Road para a Leicester Square não leva mais do que vinte minutos. Meu intuito era visitar a National Gallery, mas a Trafalgar Saquare em si já é uma visita que se basta. Tanto que voltei outras vezes só para ficar lá, sentado num banco, vendo a vida passar enquanto tomava um café. Como fica razoavelmente perto da Oxford Street (principal destino para quem vai fazer compras), acabava sempre dando uma passadinha para absorver um pouco mais da arquitetura majestosa e elegante.

Na primeira vez que fui lá, a praça estava apinhada de gente. Devia ser um dia antes da véspera de ano novo. Acontecem paradas com bandas e torcedoras uniformizadas (cheer leaders), algumas vindo de universidades americanas só para se apresentar na praça. Mas o que curti mesmo foram os artistas de rua. Não é gente que quer apenas ganhar uns trocados, não. Eles mandam ver na música, como esse cara no início do vídeo cantando "In My Life" dos Beatles. Sempre que eu via um na rua ou no metrô, dava um jeito de gravar. E pensar que tem um monte de gente sem talento com disco e subindo em palco.

Foi montado na praça um cronômetro para contar regressivamente dias, horas, minutos e segundos para as Olimpíadas. O que achei interessante e louvável foi o acréscimo de um outro cronômetro só para as Paraolimpíadas.

A National Gallery é enorme e impossível de ser visitada em apenas um dia. A não ser que não se curta arte. Eu, que sou alucinado por pintura, fiquei louco. Bem, é bem verdade que não aprecio arte retratista, por isso não fui ao museu ao lado (Portrait Museum), nem me detive muito na arte sacra. No entanto, demorei uma eternidade diante dos modernos, sobretudo Cézanne, meu pintor favorito. Era difícil acreditar que eu finalmente via de perto algumas obras dele, podendo perceber elementos que as fotografias nos livros escondem, como as cores usadas para criar os efeitos cromáticos que se capta no todo, a direção e sobreposições das pinceladas, as formas privilegiadas etc. Não se pode tirar fotos das obras, mas, como anotei as que mais gostei, pretendo buscá-las na internet e postá-las aqui.

Antes de viajar, vi num jornal local que a National Gallery abria uma exposição que reunia grande parte da obra do Leonardo da Vinci. Fiquei super empolgado. Mas acabei desistindo de ver. A galeria não vendia ingressos antecipados e era preciso chegar bem cedo para compra-los, o que ainda não garantia nada, pois podia acontecer de se chegar perto da bilheteria e os ingressos para o dia estarem esgotados. Achei muita burocracia. Infelizmente não pude ver os dois quadros "A Virgem dos Rochedos" juntinhos. Quem sabe no futuro.

Os pombos e as gaivotas fazem a festa na praça e são lindos de serem observados voando ao redor, pousando sobre as cabeças das estátuas. Chegam pertinho de você em busca de comida (que não deve ser dada, claro). Se casam bem com a paisagem, o mesmo não acontece com sua roupa, que pode voltar para casa com algumas manchinhas fedidas.

Se aqui a gente tem carrinhos de pipoca, lá eles tem de amêndoas carameladas. É o único tipo de venda ambulante que se vê e, mesmo assim, são poucos. A ausência de vendedores ambulantes em demasia deixa o trânsito de veículos e pedestres bem mais tranquilo.

ABADIA DE WESTMINSTER

Sou guia de turismo formado e, na época do curso, durante as viagens, visitei tantas igrejas que enjoei. Apesar de impressionante e repleta de história, não tive a menor vontade de entrar na abadia.

Foi lá que o William e a Kate se casaram e esse se tornou o principal motivo de visitação dos turistas. O prédio forma um contínuo arquitetônico com o Big Ben e o Parlamento.

BIG BEN, PARLAMENTO E LONDON EYE

Tão logo avistei o Parlamento, imaginei a quantidade de decisões que foram tomadas ali dentro e que influenciaram a história mundial. Imaginei Guy Fawkes e seus companheiros (ver o filme ou a revista em quadrinhos "V de Vingança") colocando os explosivos com o intuito de fazer churrasquinho do rei James.

Às lembranças históricas, seguem-se os pensamentos de pura admiração. Visitei o borough de Westminster por três ou quatro vezes. Da segunda, no finzinho da tarde, pude flagrar as cores do crepúsculo invernal projetando as torres do Parlamento e do Big Ben no rio Thames. Permaneci por minutos incontáveis apenas contemplando o cenário e dando graças por ter tido essa oportunidade. É algo não apenas para encher os olhos, mas para elevar o espírito mesmo. Se eu já tinha me encantado com o rio Main, o Thames, então, que sempre esteve nos meus sonhos, passou a habitar as minhas experiências e creio que jamais vou esquecer suas águas escuras transformando com seu reflexo turvo o soberbo cenário urbano em tela impressionista.

Do outro lado da ponte, após fotografar a paisagem físico e mentalmente, caminhamos até o London Eye. Fomos por uma passagem subterrânea (subway) na qual havia um senhor, artista de rua, tocando o seu acordeon. Em Londres, quando se pensa que já está bom, vem um detalhezinho como esse e te deixa ainda mais encantado. Ainda mais a mim, verdadeiro fã de artistas de rua (de qualidade, claro).

Meu intuito ao ir ao London Eye foi apenas comprar uma livreto que uma amiga havia me pedido. Não quis gastar grana lá para ver toda a cidade, se eu a veria mais cedo ou mais tarde de pertinho. Penso que o London Eye se destina àqueles que tem pouco tempo para ficar na cidade e querem pelo menos ver todos os pontos turísticos. Assim como o passeio de barco.

Eu não poderia deixar de tirar um foto da cabine de telefone. Não tirei uma dentro porque, convenhamos, mico turístico tem limite. Mas cheguei a usá-los (não, não são só de enfeite). Fiquei super emocionado ao fazer uma ligação para o Brasil de um deles. Tive uma vontade enorme de dizer "ei, tô telefonando de uma cabine vermelha de Londres!", mas achei que soaria arrogante.

Esse aí é o meu momento Michael Fassbender. Brincadeira. É que a cor dessa foto e meu aspecto soturno me fizeram lembrar o filme Shame.

MERCADO DE CAMEDON

Camden é o bairro onde a Amy Winehouse morava e é definitivamente o lugar que mais visitei em Londres. Se eu fosse morar lá e, claro, tivesse uma grana para comprar um imóvel, compraria em Camden. Para minha felicidade, ficava muito perto de Holloway. De ônibus, uns dez a quinte minutos. Essa foto aí foi tirada na primeira vez que fui lá. Tem referências à Amy em vários lugares.

O Electric Ballroom fica bem no começo do mercado. Tem um sem fim de lojas. Os produtos são os mais legais que se pode imaginar. Aliás, o mercado de Camden é de enlouquecer qualquer tribo, desde os mais alternativos até grã-finas. É literalmente um caldeirão de misturas. Enfim, o Electric Ballroom é também uma espaço de shows. Infelizmente, em janeiro todo mundo tira férias. Não tinha um showzinho de rock para se ir. Esse lugar também tem história. Nomes como Sid Vicious, The Clash, Smiths, The Killers e Paul McCartney já se apresentaram lá. E não é um espaço grande, não. É bem intimista.

As faixadas das lojas no início do mercado são uma atração por si só. Bem diferentes, grandes, algumas bizarras, elas traduzem o estilo da loja e, ao mesmo tempo, o do mercado. Da terceira vez em que estive aí, de dentro dessa Dark Angel saiu um grupo de londrinos fazendo o maior barulho. Era uma despedida de solteiro (bachelor party). O noivo usava uma micro-sunga fio dental de couro, uma bola de borracha enfiada na boca e estava todo amarrado com correntes. Esse é o espírito de Camden. Não à toa a Amy morava lá.

Após as lojas com fachadas chamativas há uma ponte bem charmosa. É o começo do mercado de Camden propriamente dito.

Logo depois da ponte ficam as barracas de comida com pratos do mundo todo. Os chineses dominam a parada, mas há também comida indiana e italiana, além de outras que não comi. À margem do rio ficam vários bancos no formato de moto. Não são muito confortáveis para quem tem um prato de comida na mão, mas não deixa de ser uma experiência divertida.

Quando se fala do mercado de Camden, fala-se, principalmente, do Stables Market. Ali ficavam os estábulos reais. Depois que foi desativado, transformou-se em mercado, aproveitando-se a arquitetura e as estátuas. Por fora, o muro de tijolos quase pretos dá uma aparência suja ao lugar. Quando se entra, tem-se uma surpresa.

Tudo é muito instigante. Me senti entrando num labirinto. A cada curva, uma loja com produtos inusitados - lembranças, roupas, acessórios, livros, Cds, objetos de decoração, peças de antiguidade etc. Pechinchar é a palavra. Não teve um só produto que eu não conseguisse desconto. É preciso olhar bem antes de comprar. Algumas peças, principalmente as vintage, podem ter defeito. Eu disse olhar. Brasileiro que sou, queria pegar, alisar, apalpar e de vez em quando eu levava uma bronca. Achei que isso era coisa só de alemão. Há muita coisa barata. Tinha uma loja com jaquetas de couro estilosas custando apenas dez libras (cerca de trinta reais!). Fora as camisas. Nunca pensei que eu fosse tão consumista. Se bem que na primeira e segunda vez que fui lá foi só para comprar coisa para amigos e parentes. Isso me faz um consumista do bem, né?

Certa vez desci em Camden só para almoçar. Gostei muito do ambiente e sempre tinha vontade de passar por lá. Já as pessoas que moram em Londres parecem não ligar muito. Acho que consideram tudo muito "para turista". Camden, para eles, só à noite, pois há muitos restaurantes, pubs e casas de show. Li nos jornais que a Adele estava almoçando num restaurante perto do Stables Market, como uma mortal qualquer, no dia em que parei lá só para almoçar também. Assim somos nós, as celebridades - excêntricos (Kkkkkkk).

MERCADO DE PORTOBELLO ROAD

Notting Hill é um bairro de ruas estreitas e bem elegante. Não à toa foi escolhido para ser cenário do famoso filme com o Hugh Grant e a Julia Roberts. Mas antes do filme, Notting Hill já era bastante conhecido por seu mercado. Fica em Portobello Road, uma rua que tem início a cerca de dois quarteirões da estação de metrô. Logo no início dela, não há nada além de casas e poucas lojas de lembranças. Mas à medida que se anda (ela é muito extensa), logo se chega a uma ladeira e, a partir daí, é um mundo de antiguidades e outros produtos. Mesmo que não se queira comprar nada, vale pelo passeio, que deve ser feito vez ou outra deixando a rua para explorar os arredores. Foi assim que descobrimos uma praça pequena de bancos de madeira, super bem cuidada, onde devoramos o nosso almoço.

Um diferencial dessa feira em relação a tantas, a meu ver, são as barracas de flores e frutas. Elas dão um ar bem sofisticado ao lugar. Quando fui com o João, atacamos a barraca de um senhor que vendia morangos (baratos de querer levar tudo). Mas fomos na semana e não havia tanta coisa quanto há no sábado, que é o dia mesmo da feira acontecer. Voltei lá para conferir e não consegui sair. Fiquei uma tarde inteira vendo as antiguidades. Um senhor que vendia objetos militares da Segunda Guerra Mundial se aproximou de mim, que olhava maravilhado os cantis, carteiras e bonés, e começou a me explicar isso e aquilo sobre os objetos. Não sei se era mentira para vender, mas que era impressionante, era. De qualquer forma, valeu pelo papo. Muito simpático, ele. Terminei o dia jantando num restaurante vietnamita. A cerveja de arroz deles é uma delícia, ainda mais com costela de carneiro.

Perto do metrô há duas livrarias, uma em direção à Portobello Road e outra no sentido contrário. A primeira vende livros antigos, uma espécie de sebo, só que com muitas opções legais, não apenas inutilidades. Na segunda, mais moderna, avistei, logo na entrada, uma estande só com livros do Paulo Coelho e resolvi bater uma foto. Antes, pedi permissão ao vendedor, um cara super legal que começou a falar das vendas do escritor, que sobem no verão. Não quis perguntar por quê. Meu interesse era só cultural, não literário. Além disso, havia por lá discos brasileiros. Muito curioso. Aliás, ouvi muita música brasileira em restaurantes e bares, tanto em Frankfurt quanto em Londres. Lembro de um restaurante vietnamita que fomos no bairro de Shoreditch onde, tão logo a garçonete pegou nosso pedido, lá estava a bossa nova tocando. Só não fiquei mais surpreso do que da vez em que estávamos às duas da manhã numa lanchonete de turcos, em Frankfurt, e começou a tocar um pop brasileiro.

MERCADO DE HOLLOWAY

Finalizando o papo sobre mercados, esse aí acontece pertinho de onde a gente ficou, em Holloway. É um mercado de estacionamento (car boot sale). Nesse daí eu fiz a festa. Muito barato! Além da variedade de produtos.

MUSEU BRITÂNICO

O Museu Britânico não é enorme. É gigantesco. Tanto que só fui lá um dia e só consegui cumprir a parte do Egito (faltou só a parte da Grécia até hoje; só). E não, não vi a pedra Roseta. Sinto até que cometi um pecado. É que foi graças a essa pedra que os hieróglifos foram decifrados. Ah, nem vi. Ah!

Muito impressionante todas aquelas estátuas literalmente faraônicas e aqueles sarcófagos.

Olha só. Até gato era mumificado. Esses aí deviam ser da filha de algum imperador.

Por causa dos filmes, a gente tem a impressão de que múmia só merece esse título se enfaixada, né? Mas olha essa aí. O barato é que dá pra ver como fica o corpo mesmo depois de passar pelo processo de mumificação. Caramba, o homem aí ainda tem preservados tufos de cabelo e pele! Assustador. MILLENNIUM BRIDGE E TATE

A Millennium Bridge é uma ponte em aço construída sobre o Thames, ligando a praça da St Paul's Cathedral ao TATE, o museu de arte moderna. Foi inaugurada em 2000, daí o nome.

Não entrei na catedral. Não tive a menor vontade. Ainda mais quando olhei para trás e vi que o TATE me esperava. Sabia que precisaria de muito tempo para percorrer todas as exibições e não queria perder tempo.

Olha aí o vendedor de amêndoas carameladas. O cheiro ficou impregnado na minha memória afetiva. Por ser de metal e, principalmente, por ser vazada nas laterais, tive um certo pânico ao atravessa-la, até porque ventava muito e eu tinha a impressão que a qualquer momento eu seria jogado lá embaixo. A vista é sem dúvida um grande incentivo.

Caminhando rumo ao TATE, ansioso para ver um Andy Warhol (papa do pop, rock e punk visuais), de repente escuto o som de uma guitarra meio rock, meio blues. Foi um daqueles detalhes que tornaram minhas experiências em Londres ainda mais especiais.

Não sou fã do cubismo. Mas não é todo dia que se tem a oportunidade de se ver um Picasso original e analisar de pertinho a técnica de um mestre da pintura. Mais interessante ainda foi ver o cubismo expresso através da escultura, também do Picasso.

Enfim, Warhol. Um auto-retrato do guru excêntrico e positivamente louco. Não é a técnica que impressiona na arte moderna. É o conceito e a expressividade (ou ausência de expressividade). E Andy Warhol foi o primeiro a disseminar essa proposta. Alguns podem achar fútil, vazio, simples. E é. Mas acima de tudo, é provocador.

Essa é uma obra do Bauhaus (palavra alemã que tem seu significado ligado a "construção" e a "casa"), movimento de design que tem como princípio usar materiais de fábrica e da construção civil. Pessoalmente, não considero uma obra dessas como "arte". Mas o TATE é famoso por abrigar artes bem mais duvidosas. Para quem não tem uma opinião formada sobre o que é ou o que não é arte, aconselho o documentário do filósofo Roger Scruton, intitulado "Why Beauty Matters" (Porque a Beleza Importa).

No TATE, no último andar, há um café elegante com uma vista espetacular da Millennium Bridge e do Thames, com o topo da catedral de St Paul ao fundo. No final da visitação, pedi um café, um muffin (de blueberry!) e deixei meu espírito ser levado pela vista.

PONTE DE LONDRES

Quando eu ainda só sonhava em conhecer Londres, longe, muito longe de virar um plano, dei uma olhada no Youtube e descobri um vídeo de alguém que fez uma longa gravação de uma viagem de ônibus em direção ao lado sul do Thames. Quando estava de saída para a London Bridge, perdi a vergonha, subi na parte de cima do ônibus, sentei bem na frente e fiz meu próprio vídeo. Durou um tempão, minhas mãos já estavam dando câimbra, mas consegui. Dá para dar uma idéia bem legal da dinâmica urbana londrina.

Bem de pertinho.

Passagem de pedestres e escadaria rumo à ponte.

Duas visões da passarela sobre as torres, por fora e, depois, por dentro. A visitação é paga, mas valeu cada libra. Não tanto pela curiosidade arquitetônica, embora a ponte seja assustadoramente bela por dentro.

Duas visões privilegiadas do interior da ponte. Sou fascinado por essa coloração de fim de tarde londrina, azul escuro, meio cinza, com as luzes da cidade começando a acender. Tudo isso refletido no Thames.

O passeio pela ponte termina pela sala de máquinas. Há alguns horários em que a ponte abre para dar passagem a navios de grande porte. Esses horários não são fixos. No entanto, podem ser checados com antecedência no site oficial da ponte. As máquinas impressionam. Não mais do que saber que eu estava abaixo do nível do rio. O pânico que senti na Millennium Bridge me visitou mais uma vez.

TORRE DE LONDRES

Tão logo se deixa a ponte pelo lado norte, avista-se a fortificação onde se encontra a famosa Tower of London. Tanto a ponte quanto ela tiveram suas bases originais construídas pelos romanos, não por ingleses. Com o tempo, ambas foram recebendo ampliações.

Bem, ganharam novos espaços, mas, no caso da torre, novos usos também. Voltada para o rio, a fortificação serviu inicialmente para defesa estratégica. Com o passar do tempo, os reis ingleses a utilizaram como prisão, local de tortura e execução. Um dos nomes mais lembrados quando se fala na torre é o da rainha Ana Bolena, uma das esposas do rei Henrique VIII, decapitada por ordem do próprio marido. Ali também encontrou tortura e morte Guy Fawkes, depois de ter falhado em seu plano de explodir as torres do Parlamento e, dessa maneira, assassinar o rei James. A lista de atrocidades que tiveram a torre como cenário parece sem fim. Não à toa serem reportadas contínuas aparições de fantasmas, principalmente a de uma mulher, que costuma aparecer caminhando e se lamentando próximo à Torre Verde, no que se acredita ser Ana Bolena, pois foi naquela torre que ela foi decapitada.

Dentre as sentenças de morte, estavam as feras. Nesse fosso aí vários encontraram a morte, devorados por leões. Até urso polar já habitou esse lugar.

Não cheguei a entrar na fortificação. Da primeira vez que fui para aqueles lados, era noite e estava fechado. Da segunda, quando fui só para a visitação, não chequei o horário e planejei chegar às quatro. Só que fechava às cinco e meia e, segundo o recepcionista, eu precisaria de pelo menos três horas para visitar tudo. Além do que a entrada é cara demais para deixar de visitar tudo - dezenove libras (cerca de cinquenta reais). Pensei na quantidade de Guinness que eu poderia beber com aquele dinheiro e dei adeus à Torre de Londres e aos seus fantasmas.

O MONUMENTO

No curso onde ensino, no primeiro semestre, lemos o livro "The Great Fire of London" (O Grande Incêndio de Londres), sobre o incêndio que destruiu Londres em 1666. Tudo começou no forno de uma padaria esquecida aberta pelo padeiro do rei. A padaria ficava nessa rua, exatamente no ponto onde tirei a foto e onde, hoje, há um monumento destinado a lembrar a reconstrução da cidade.

Conhecido simplesmente como The Monument, o monumento foi uma das milhares de obras do arquiteto Christopher Wren, que projetou a Londres pós-destruição. Paga-se três libras (cerca de sete reais) para entrar lá e subir a loooooonga escadaria em formato de caracol. Na saída, recebe-se um certificado dos administradores do monumento, comprovando sua passagem pelo local e o feito da subida, que é bem cansativa.

O monumento tem o formato de tocha. Ao mesmo tempo em que lembra fogo e incêndio, também significa vitória e superação. Christopher Whren também pensou em dar ao visitante essa sensação de vitória e criou um espaço alto, que exigisse um pouco de esforço para ser alcançado.

E é isso que senti ao chegar lá em cima - vitória. Bonitinho foi passar pelos pequenininhos sentados num ponto ou outro da escadaria, recuperando o fôlego, e os pais incentivando a subida. Quando se chega, tem-se uma vista ampla do bairro mais antigo de Londres, hoje cheio de modernidade. Difícil imaginar o fogo começando ali e espalhando-se devido ao vento forte, consumindo as casas e comércios, as pessoas fugindo para o Thames, lutando por um barco. Difícil de imaginar porque o velho está maquiado de novo, mas a aura de desespero ainda está presente no local. As ruas por ali são estreitas e, na época, as casas eram construídas com madeira. Não à toa o desastre.

O frio e o vento me faziam lacrimejar sem parar. Acho que alguns turistas ali pensavam que eu estava emocionado ou coisa do tipo.

A descida, nossa, bem mais complicada do que a subida. Até porque as pernas não tem como não tremer um pouco de medo lá em cima. O espaço para ficar em pé é bem curto e há mais gente indo e vindo.

CIDADE DE OXFORD

Dewi nos levou para conhecer Oxford. Fomos de carro e deu para ter uma noção bem legal das diferenças, pelo menos visíveis, da zona urbana em relação à suburbana e à rural da Inglaterra. O barato das cidades pequenas, como Oxford, é que, apesar de dar a impressão de ser rústica, devido ao passado arquitetônico preservado, tem praticamente tudo que uma cidade grande como Londres tem. De fato, parece até uma mini-Londres.

A universidade e a cidade se confundem, embora a universidade tenha dado origem à cidade. Ao contrário do que eu imaginei, a universidade não é um único prédio extenso e grande. São vários e estão espalhados pela cidade.

O método que utilizo para dar aula possui um DVD e toda vez que eu o colocava no aparelho a primeira imagem que vinha era a desse domo. Sempre brinco com os alunos dizendo que "um dia ainda vamos estudar aí". Estudar, ainda não. Mas estar já consegui.

Assim que chegamos, caminhando, passei em frente a esse restaurante e achei-o super charmoso. Não sei porque mas lembrei da taverna do filme Um Lobisomen Americano em Londres. Chama-se The Grapes (As Uvas). Na hora do almoço, pedi para que fôssemos para lá. Só tive receio de ser caro, haja vista a decoração e, claro, ser em Oxford. Para minha surpresa, a comida não era apenas barata, mas deliciosa. A cerveja geladinha pedia "onion rings" (rodelas de cebola empanadas). Acho que só não voltei balofo dessa viagem porque gastei muita energia caminhando, porque, nossa, nunca comi tanto e bebi tanta cerveja.

SALISBURY E STONEHENGE

Vários eram os motivos da minha excitação em viajar para o sítio arqueológico de Stonehenge. O motivo mais bobo era que, pela primeira vez, eu fazia uma viagem de longa distância na Europa sozinho. A cidade mais próxima de Stonehenge é Amesbury, mas é uma cidade bem pequena, quase um vilarejo. A estação mais próxima é mesmo a de Salisbury. O único trem saindo de Londres para lá parte da estação Waterloo. É uma hora e meia de viagem até o sul da Inglaterra. No caminho, florestas de árvores altas que de repente parecem ter sido cortadas com precisão e viram um extenso paredão verde a margear campos verdes. As ovelhas pontuam de branco o verde, às vezes sentadas em grupo, às vezes correndo pelo campo, saltando. A cada estação, uma gravação avisa o nome da cidade e o destino final do trem. Aliás, os trens são muito confortáveis. Apesar de ser uma viagem longa, não se sente o corpo moído nem na ida, nem na volta. Esse vídeo aí em cima termina com minha chegada na estação de Salisbury.

Desci na estação e, ao deixá-la, comecei a caminhar meio sem direção, seguindo o instinto. Algumas placas indicavam o rumo do centro da cidade, mas me permiti me perder. Fiz muito isso em Londres. Pegava um ônibus qualquer e descia em qualquer lugar, só para olhar e olhar. Não tinha medo de me perder de fato, pois tinha o meu guia de ruas. Em Salisbury, uma cidade pequena, senti menos medo ainda de me perder. A seta dizia por aqui e eu fui por ali. Sabia que no fundo era o mesmo rumo. Enfim, cheguei ao centro seguindo o curso de um rio que acredito ser Avon. Perto, um parque onde uma velhinha passeava com seu pequeno demônio (sim, um cachorro). Simpática, falou algo que a princípio não ouvi, porque estava tirando foto dos patos. Sorri, falei que a cidade era linda e perguntei o caminho para pegar o ônibus para Stonehenge. Ela não sabia exatamente onde era a parada de ônibus, mas me ensinou como chegar à informação turística local, não sem antes se certificar com duas garotas que passavam.

No escritório de informação turística, fui muito bem recebido por uma funcionária que me deu panfletos e explicações acerca do sítio arqueológico. Comprei meu bilhete (de ônibus e da entrada no sítio) com ela mesma. Só foi um pouco complicado achar o ponto do ônibus. Ela indicou "aqui atrás do escritório", mas não fica exatamente atrás, mas numa rua adiante. Cheguei lá graças a um motorista de coletivo local. Todos simpáticos e prestativos. Entrei na agência em frente à parada e perguntei se eu precisaria apresentar meus bilhetes, uma vez que eu os havia comprado no escritório de turismo, mas não precisava. Comprei umas guloseimas e água na lanchonete ao lado da agência. Pela primeira vez desde Frankfurt me senti realmente praticando meu inglês. Digo Frankfurt porque conversava o tempo todo com o Stewart, namorado da Jouse. Em Londres, era raro encontrar um inglês de verdade. Só estrangeiros falando inglês com seus sotaques próprios e gramatica de rua, quebrada. Foi muito bom conversar com a gente de Salisbury, ser entendido e entender.

Falei que muitos motivos me causaram excitação nessa viagem. O mais importante deles vinha sendo alimentado desde a adolescência. Sempre estudei assuntos místicos e esotéricos e, embora eu me apregoe ateu para todo mundo, na verdade estou protegendo minhas crenças de especulações. Ir a Stonehenge significava uma espécie de catarse para mim. Aquele é um poderoso vórtex de energia do planeta terra e estar lá é sem duvida uma experiência transcendental. Vários momentos mágicos ocorreram durante essa viagem, dentre eles, o corvo no pilar da entrada. Não vou me deter aqui na simbologia dos corvos. Digo apenas que eu não me continha de felicidade.

À entrada, recebe-se um fone com gravações explicativas sobre Stonehenge. O intuito é parar em cada marca numerada ao redor do círculo de pedras e pressionar o número indicado nas placas para ouvir dados específicos sobre aquela ou outra formação, além de informações extras, como dados históricos e lendas.

Após pegar o fone, atravessa-se a pista por uma passarela subterrânea com desenhos representando a origem do sítio. O musgo e as plantas ajudam no clima místico. Então, sobe-se um pouco e já se vê o círculo adiante.

O tempo estava fechado, ameaçando chover a qualquer hora. Devia ser em torno de dez da manhã. Mas tão logo me aproximei do círculo, as nuvens começaram a dar caminho aos raios de sol que caíram sobre as pedras num espetáculo de tirar o fôlego.

Bem antes, quando desci do ônibus, não sabia muito bem para onde me dirigir e segui duas mulheres que vinham no mesmo ônibus que eu. Andamos, andamos e uma delas percebeu que estávamos indo na direção errada, pois não havia nenhum portão de entrada à vista. Eram brasileiras e logo fizemos amizade. A partir daí, uma delas sempre aparecia e insistia para pegar minha máquina e bater fotos minhas. Ela não sabia e eu não quis explicar, mas não me interesso em aparecer em fotos. Gosto de visitar os lugares, passar pela experiência de estar lá sem a necessidade de provar com foto que lá estive. Mas ela foi tão solícita e insistente que deixei. Também passei a tirar foto delas. Estavam em Londres fazendo curso de inglês. Depois que visitei o sítio, encontrei com elas no café logo na entrada e conversamos bastante até chegar em Salisbury, onde elas tomariam um outro ônibus para visitar Bath.

Dentre as teorias sobre Stonehenge, está a de que teria sido um local de culto e sacrifício. Não do povo celta, como se acreditava. As datas da presença desse povo na região e das pedras não batem. Mas foram encontradas ossadas humanas na região com indício de sacrifício, talvez aos deuses, o que teria acontecido nessa pedra central.

Dei duas voltas ao redor do círculo. A primeira, seguindo as instruções da gravação no fone. A segunda, mais tranquila, seguindo minha própria vontade de observação e abrindo a mente a longas meditações. Há bancos em alguns pontos para quem quiser admirar de maneira mais relaxada. Sentei num deles e, ao todo, acho que passei três horas em Stonehenge. Havia algum tempo uma bruxa de trajes simples, mas lindos, caminhava um pouco, fincava seu cajado no chão (a ponta superior tinha o formato de garra e ele era todo enfeitado de conchas e penas) e olhava altiva para as pedras, balbuciando algo. Ao passar por mim, ela parou por um instante e inclinou a cabeça com um sorriso.

Terminei o dia passeando por Salisbury. A cidade, embora pequena e de arquitetura medieval preservada, é bem modernizada no que diz respeito ao comércio. Dobrando uma esquina e cruzando uma das várias pontes, encontrei um mercado de frutas, onde comprei morangos e cranberries, antes de rumar para a estação. Mas a minha vontade mesmo era de ter me hospedado num hotel, o que não fiz por não ter trazido roupa. O interior da Inglaterra foi sem dúvida um dos pontos altos da minha viagem.

PRIMROSE HILL

Devo muita coisa ao Dewi. Dentre elas, a apresentação de um dos meus cantinhos na terra. Carlos Castañeda falava que cada pessoa tem seus centros de energia articulares, onde se sentem bem e parecem recarregar a bateria da alma. Podem ser lugares amplos ou pequenos espaços. Tão logo se chega neles, sente-se de imediato que há algo especial ali.

Era aí que deveríamos ter passado o Reiveillon, não fosse nossa indecisão. No topo da colina há alguns bancos de madeira onde se pode sentar e apreciar a vista não apenas da Primrose Hill, mas do Regent's Park mais adiante. Chega-se a ver alguns prédios na direção do rio Thames.

Fui lá pela primeira vez no primeiro dia do ano. O sol tinha aparecido e o verde ficou bem vivo. O frio era intenso. Em Londres, faz menos frio quando chove do que quando o sol aparece. É que o vento diminui com a chuva e é ele, o vento, o grande responsável pela sensação térmica. Tendo sol e estando no topo de uma colina, dá para imaginar o frio que fazia. Um problema para quem está turistando. Para tirar fotos, é preciso tirar a luva e as mãos começam a queimar em questão de segundos. O único problema nesse dia foram os demônios. Sim, os cachorros. Quanto mais grandes, mais bobos e mais metidos a brincalhões.

REGENT'S PARK

Na minha última semana em Londres, decidi me despedir de alguns lugares, o que foi bastante triste. Mas não foi aquela tristeza de querer chorar, não. Era mais melancolia, fruto da extrema diversão que eu tinha vivido nos últimos dias, misturada com a saudade do Brasil, que já começava a apertar. Primrose Hill foi um dos primeiros destinos. No entanto, não quis ir direto para lá. Estava muito afim de caminhar. Assim, desci no Regent's Park e decidi atravessá-lo até chegar em Primrose Hill. Foi uma senhora caminhada, mas quanto ao cansaço, quase não o senti, pois fui devagar, aproveitando cada paço lento para absorver a tranquilidade do lugar, apreciar a paisagem. Tão logo comecei a caminhar, coloquei o mp4 e a primeira música que tocou foi "O Que Você Quer Saber De Verdade", da Marisa Monte ("Vai sem direção, vai ser livre. A tristeza não, não existe"). Não poderia haver melhor fundo musical para o momento.

O Regent's Park é enorme. Tem uma parte onde há um café bem no meio (a parte mais arborizada) e um campo mais aberto, depois de um ponte. Nesse segundo espaço, há diversos campos para a prática de futebol (afinal foi aquela gente que inventou o esporte) e rugby, um esporte do qual não entendo bulhufas (e não foi por falta de explicação). Não lembro o nome, mas, depois de se andar um pouco, avista-se um restaurante elevado no meio do nada, com uma arquitetura que lembra uma estufa dessas de flores. Perto dele, grandes esculturas de madeira no meio da grama, bancos, na verdade, em diversos formatos.

Terminei a caminhada em Primrose Hill, onde passei o resto da manhã. Chovia um pouco, mas eu não estava nem aí. Só saí de lá quando a fome apertou. Inesquecível ouvir "Sounds of the Sea", da banda Renaissance, vendo os pássaros em revoada. E o melhor, não havia nenhum demônio por perto devido à chuva!

CHINATOWN

A experiência do João com a Chinatown americana não foi das melhores. Ouvi falar tão mal dela que tive preconceito em relação à londrina. Mas até ele achou a de lá legal. E é. Fica no Soho. A decoração é um espetáculo. A comida, então... Não tive coragem de andar nos carrinhos puxados por bicicletas. Achei muito "turista". Mas não achei as pessoas que iam e vinham neles ridículas, não. Acho que faz parte do turistar.

PICCADILLY CIRCUS

Alguns lugares no centro de Londres levam o nome de "Circus" porque representam círculos no tráfego, ou rotatórias ("roudabouts"). Assim são Piccadilly Circus e Oxford Circus.

Ao redor da Piccadilly Circus ficam vários teatros, daí eu achar que o lugar levava o nome de Circus porque abrigava vários palcos de espetáculo, uma espécie de significado antigo da palavra ou algo parecido. Enfim, os teatros daquela região não apresentam peças tradicionais, mas musicais em sua maioria. Achei um espaço de atrações culturais para turista ver. Os musicais, claro, são grandiosos, vários vindo da Broadway. Não fazem bem o meu estilo, embora eu tenha tido vontade de assistir ao Rock of All Ages, Queen e Mama Mia! (imagine se fizesse meu estilo). As peças de teatro, não espetáculos, mais elaboradas, com um conteúdo artístico menos pop, são exibidas principalmente no Southbank Center, um centro de arte com diversas salas e muito elegante. Muito? Não. Elegantíssimo. A nata da intelectualidade frequenta aquele espaço. O Dewi nos levou para assistir a peça Murmurs lá. Direção e atuações impecáveis. Literalmente primeiro mundo.

Em Piccadilly Circus fica a loja temática do chocolate M&M's. Fui lá por dois motivos: para comer chocolate de graça (fica uma moça em cada seção distribuindo as delícias) e porque me lembrava muito o João Carlos, um pequenino por quem tenho um carinho enorme. Ele faria a festa ali.

CASA DA AMY WINEHOUSE

Na noite em que saímos para assistir à peça de teatro, o Dewi passou em frente à casa da Amy. Havia uma garota lá em frente, próximo ao muro onde velas queimavam. Ela rezava compenetrada. Estávamos apressados e não pudemos parar.

No dia em que fui sozinho a Notting Hill, decidi passar por lá. Bem, para ir a Notting Hill eu precisaria pegar um ônibus até Camden para então pegar um outro. No caminho, dei uma olhada no mapa e percebi que a casa da Amy e a que o Rimbaud e o Verlaine se hospedaram não ficava longe. Se em vez de ônibus eu fosse a Notting Hill de metrô, teria tempo de sobra para visitá-las. Assim o fiz.

Encontrar a casa da Amy não foi difícil. De posse do mapa das ruas, um quarteirão saindo da Camden Road e já encontrei a referência: Camden Square. O problema era saber qual daquelas casas era a dela. Eu não lembrava o número. Fui e voltei pela rua ao lado da praça até que avistei uma árvore repleta de mensagens à Amy. Bem, não só mensagens. Tinha até uma lata de cerveja e uma carteira de Lucky Strike (coincidentemente a marca de cigarro que eu vinha fumando desde Frankfurt). E não era piada, não. Era homenagem mesmo.

Três franceses apareceram e começaram a ler todas as mensagens ao redor da árvore. Pareciam grandes fãs da diva. Confirmei com eles o número da casa. Era o 30. Diferenciava-se das outras casas por causa do portão preto e do jardim descuidado, típico de casa desabitada. Mas havia uma janela aberta no andar superior. Teria sido o quarto onde ela foi encontrada morta? Já pensou se flagro o fantasma da Amy aparecendo na janela? Não nego que isso me passou pela cabeça.

Não deixei mensagem lá, nem em papel, nem na árvore, pois achei que seria pichação. Restringi-me a alguns minutos de muito pensamento positivo àquela que foi uma grande cantora internacional e que, se não tivesse falecido, acabaria tão prestigiada quanto Billie Holliday, Bessie Smith ou Nina Simone.

CASA DO RIMBAUD E DO VERLAINE

Verlaine ficou apaixonado por Rimbaud antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, através de seus versos. Quando o conheceu pessoalmente, então, entregou-se a um hedonismo desenfreado. E olha que Verlaine era casado. Em uma de suas fugas amorosas, foram parar em Londres.

A rua Royal College é bem diferente daquele da segunda metade do século XIX, retratado no filme Total Eclipse, que conta a história do amor conturbado entre os dois poetas. Dentre as diferenças principais está a limpeza.

Pensei que tinha sido em Londres que Verlaine tinha atirado em Rimbaud, acertando-lhe o pulso. Mas foi em Bruxelas. Vivendo quase em miséria, sustentado por uma pensão da mãe, Verlaine se viu desesperado e decidiu largar Rimbaud e voltar para o conforto da família (sua esposa tinha um pai rico). Arrependido, mandou uma carta para Rimbaud, pedindo que o encontrasse num hotel de Bruxelas. Foi lá que, bêbado, Verlaine deferiu o tiro e acabou preso por dois anos.

Conheci a poesia do Rimbaud na adolescência. Li que Jim Morrison adorava o poeta e fui atrás de conhecer sua obra. Posso dizer que o que sei de francês se deve ao fato de ter querido ler Rimbaud no original, pois como amante da literatura, sei o quanto as traduções empobrecem a expressividade da linguagem, sobretudo da poética.

OXFORD STREET

A maioria das pessoas com quem eu conversei antes de viajar me fizeram crer que meus suados reais poupados não dariam nem para o cheiro quando fossem gastos como libra. A fama de Londres como cidade cara corre mundo, eu sei, mas, para minha surpresa, achei tudo muito barato.

Não sei se por causa da crise na Europa ou porque era janeiro (tradicional época de promoções), mas consegui comprar muita coisa legal e barata nessa que é uma das ruas mais visadas pelos turistas. Voltei lá muitas vezes. Cada vez que eu fazia as contas e percebia que ia sobrar um pouquinho, Oxford Circus lá ia eu. Meu problema nessa viagem, por incrível que pareça, não foi dinheiro. Preocupou-me a ponto de paranoia o peso que da bagagem na volta, pois tinha muito medo de pagar excesso (uma facada). A Condor só dava direito a vinte quilos. Felizmente a mala parou de caber coisa e parei de fazer compras. Minto. Cheguei a comprar uma mala pequena para trazer como bagagem de mão, mas essa encheu rapidinho também. Nem que eu quisesse eu poderia trazer mais coisa. E no final, ódio. O peso não passou de doze quilos. Tanta paranoia para nada.

E a propósito: não sou consumista!

THE PROSPECT OF WHITBY

Fui a tantos pubs que até perdi a conta. Nada mais são do bares. O diferencial está no ambiente, todo trabalhado em madeira, o que torna o lugar bem aconchegante. Além do mais, no frio que faz nas ruas, eles estão ali, quentinhos.

O Prospect of Whitby é considerado o pub mais antigo de Londres. Fica na região das docas e as ruas ao redor são bem estreitas. Ao lado, há um beco que vai dar numa escadaria para o Thames.

Livre do frio, lá vem o calor e uma cerveja cai muito bem. Pede-se por uma "pint", que significa uma unidade de medida usada para cerveja e leite. Provei muitos tipos de cerveja, mas elegi a Guinness como minha preferida. É uma cerveja irlandesa, mas sua composição tem origem em Londres mesmo, nas regiões portuárias. Lembro de alguém detestando o gosto, dizendo que parecia petróleo. Nada. É deliciosa. Super encorpada. Só pedia ela porque, assim como calamares e chicken wings na comida, sabe-se lá quando eu teria oportunidade de provar de novo.

Londres tem um sério problema com o alcoolismo. Não à toa. Tem um pub em cada esquina. No fim das noitadas, voltando para casa, vi as ruas lotadas de jovens caindo pelos cantos. Lembro até de uma manhã em que, descendo as escadas do prédio, cruzei com alguns adolescentes voltando para casa ainda segurando copos com caipirinha. Até brinquei em português: "Esse povo não tem pai, não?" Eles não entenderam, claro. Acharam que eu os cumprimentava e me cumprimentaram também.

O tabagismo também assusta. Muitos tem uma voz com pigarro que dá angústia de ouvir. É um cigarro atrás do outro. Às vezes precisava segurar a respiração ao lado de alguém no ônibus. E os dentes, amarelados e careados. Credo. E dá a impressão que a população adulta vítima do álcool e do cigarro desenfreado só tende a aumentar.

ABBEY ROAD

Falei para uma amiga que nessa viagem eu não queria fazer turismo. Com isso eu quis dizer que meu intuito era conhecer a cultura londrina de fato, não apenas o que era mostrado aos turistas. Até que segui meu intuito. No entanto, foi inevitável bancar o turista. Ainda mais em relação a coisas tão tradicionais como a famosa faixa de pedestres da capa do disco Abbey Road, dos Beatles.

A maioria dos motoristas já está bem acostumada com a muvuca dos turistas. Mas há aqueles sem paciência que aceleram e não querem nem saber. Esperei a minha vez, em seguida esperei os carros passarem, então lá fui eu. O Dewi tirou a foto. O problema foi a demora da máquina. O ônibus, que na hora do clique estava um pouco longe, logo se aproximou. Eu não via nada, pois estava de costas. Só ouvi o pessoal ao redor gritando para eu correr. Quase fui atropelado. O motorista do ônibus era um daqueles que devem estar de saco cheio dos turistas. Mas consegui a foto!

ESTÁDIO DO ARSENAL

Eu não precisava ir muito longe para me divertir. Caminhar por Holloway já era em si uma experiência legal. Gostava de parar numa loja ou outra, comprar algo no supermercado (Waitrose, na maioria das vezes), sentar no balcão de uma lanchonete para comer chicken wings ou só caminhar. Afinal, estava em Londres e tudo era novo e excitante. Até mesmo um estádio de futebol.

Nunca fui fã de futebol. Mas minha família quase toda adora. Recebi e-mails dos meus sobrinhos pedindo coisas do Chelsea e do Manchester e eu, ignorante, perguntava se não servia algo do Arsenal. É que o estádio do time ficava a poucos quarteirões de onde estávamos, próximo à estação Holloway Road.

Certa noite eu deixava a estação quando ouvi gritos na avenida. Era um grupo de homens bêbados, fazendo baderna. Percebi que estava havendo jogo no estádio, porque os policiais tinham bloqueado a rua naquela direção. Tinha muita gente nos pubs, assistindo o jogo pela tv, e a algazarra era grande. Lembrei dos hooligans e bateu um medo legal. Sou traumatizado com torcedores devido a várias experiências de terror em Fortaleza e mal vejo uma concentração de gente com camisa de time, fazendo barulho e bebendo, já quero sair de perto. Ao que parece, a violência ainda ronda os arredores dos estádios em dia de jogo, mas a polícia lida bem com a situação. Não há mais confrontos mortais como havia na época dos hooligans. As autoridades brasileiras bem podiam estudar as medidas tomadas pelas inglesas e copiá-las, pois os resultados são positivos.

AEROPORTO DE FRANKFURT (VOLTA)

O retorno para o Brasil seria por Frankfurt, pela Condor. Assim, nos despedimos do Dewi na estação King's Cross Saint Pancras, onde pegamos o Eurostar para Bruxelas. A volta foi bem mais tranquila, pois de Bruxelas só pegamos um único trem para Frankfurt. O único problema foi o atraso do Eurostar. As filas de check-in eram longas e a revista exaustiva. Tinha sobrado alguns euros e eu pretendia comprar algum eletrônico na Saturno, uma loja gigantesca e de preços convidativos em Frankfurt, mas acabamos chegando lá às sete da noite. E era sábado. Não deu. Pelo menos a despedida foi coberta de fartura. Saímos para jantar no Hooters com a Jouse e o Stewart e, depois, fomos dançar na Pulse. Não nos demoramos porque nosso voo partia bem cedo. A Jouse, sempre mãezona, reservou por telefone um táxi para o dia seguinte. E lá estava ele, pontualíssimo. Houve uma turbulência no meio do Atlântico e não deu para não lembrar da tragédia com o Air France. Saiu tudo bem e, no pouso, houve aplausos ao piloto.

Deixar a gelada Frankfurt e descer à tarde na escaldante Salvador foi um choque e tanto. Fiquei bastante desnorteado. O avião para Fortaleza só saía à noite e aproveitamos para comer algo e dar alguns telefonemas. Logo estávamos de volta à terrinha. Demorei dias para me recuperar da sensação de vazio e de todas as estranhezas culturais. E ainda não me recuperei de todo.